Coragem e Gentileza (Série Essencial Invisible College)

Esta é uma série de textos escritos para o curso de Teologia Essencial do Invisible College. O curso consistiu no estudo de um tema da teologia por mês com leitura de um livro, materiais complementares em texto, áudio e vídeo, um fórum de perguntas e respostas com um convidado, uma sessão de tutoria com um dos professores em um grupo pequeno e a entrega de um texto (resenha ou artigo). O texto a seguir foi escrito em Maio de 2021 para o tema Apologética.



A vida no evangelho é repleta de paradoxos e supostas contradições: o maior é o menor; o líder é o que mais serve; os últimos serão os primeiros. Assim também, vemos como os personagens bíblicos têm suas vidas transformadas de modo drástico: aquele que era chamado de "filho do trovão" se torna o "apóstolo do amor"; o maior perseguidor dos cristãos se torna o maior apóstolo entre os gentios; o Todo Poderoso Deus se humilha ao se fazer humano e tomar sobre si o sofrimento e o pecado do mundo.

Da mesma forma, o caráter que é exigido do cristão contém antíteses e traços que podem parecer autoexcludentes, mas que na verdade visam o equilíbrio de uma vida santa diante de Deus. Assim, embora pareça improvável que a humildade e a ousadia, a misericórdia e a justiça, a gratidão por esta vida e o anseio pela eternidade habitem o mesmo corpo, a quantidade certeira de cada um desses atributos aperfeiçoará o tempero da vida do crente.

Não somos autorizados pelas Escrituras a viver contentes com o quase, mas encorajados a prosseguir buscando a santificação até alcançar uma vida integralmente perfeita em Cristo. Esse aspecto é fundamental no estudo e no exercício da apologética cristã. Em 1 Pedro 3:15-16, o versículo-chave para muitos apologetas e apologetas, vemos que todo o preparo começa pela santificação. Mais ainda, o apóstolo confirma que a santificação começa com a submissão a Cristo, para que, moldando o nosso caráter até ficarmos parecidos com Ele, alcancemos o sabor correto da vida equilibrada que, na defesa da fé, significa unir o conhecimento à humildade, a mansidão à prontidão, a coragem à gentileza.

No caminho da santificação, somos constantemente tentados a deixar que nossas preferências interfiram na construção do equilíbrio, porque gostamos de um sabor mais adocicado ou da ardência da pimenta. Isso nos leva a destacar no texto bíblico apenas os trechos que exaltam os nossos gostos, esquecendo, deixando de lado ou rejeitando o contraponto. Essa situação é especialmente frequente na apologética, que depende muito de discernimento espiritual e sabedoria bíblica para acertar a medida de coragem e gentileza sem que uma característica anule a outra.

Apologética com Coragem

O teólogo John Frame define a apologética como "a disciplina que ensina os cristãos a dar uma razão para a sua esperança" e distingue três aspectos desta disciplina a partir da sua instrumentalidade. A apologética como prova apresenta uma base racional para a fé; como defesa, responde às objeções de descrentes; e como ofensiva, ataca a estultícia do pensamento descrente. Estas perspectivas sugerem, de imediato, a necessidade de grande coragem e preparo para provar, defender e debater a fé. Não é por acaso que esta qualidade é muito enfatizada àqueles que se dedicam à apologética.

A coragem é muito bem representada na figura do apóstolo Pedro, na primeira parte do livro de Atos dos Apóstolos, com seus ousados discursos defendendo a ressurreição de Cristo diante do povo e das autoridades. A ideia de que um simples pescador da Galileia em poucos anos se habilite a enfrentar as maiores autoridades no meio do seu povo e desafiar as suas ordens é resumida em Atos 4:19-20: "Julgai vós se é justo, diante de Deus, ouvir-vos antes a vós do que a Deus; porque não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido." [ACF]

É incontestável que essa atitude ousada e corajosa será importante para o exercício apologético. A coragem se traduz em prontidão para responder a todo aquele que o demandar, no temor do Senhor para ser fiel em suas respostas, na ousadia para encarar os desafios no poder do Espírito Santo. A apologeta cristã deve se revestir de coragem para ser encontrada fiel diante dos homens e, principalmente, de Deus.

Toda essa coragem deve ser medida com cautela e humildade. O apologeta habilidoso não pode se perder em sua coragem e talento, chegando a pensar que o seu argumento tenha força para converter os corações, ou que a sua retórica seja suficiente para convencer o pecador. A coragem que se transforma em orgulho terá efeitos contrários à expectativa. O debatedor arrogante centra a discussão em si mesmo, e acaba perdendo o objetivo da apologética. A vontade de vencer a discussão é maior do que o amor pelo perdido. A ousadia e a intrepidez não podem ser confundidas com falta de sensibilidade ou de amor

Apologética com Gentileza

Porque "Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder", não podemos esquecer da continuação do versículo. O Espírito com o qual fomos ungidos desde o novo nascimento é de poder, amor e equilíbrio (ou moderação). No texto de 1 Pedro, o apóstolo adverte para que a apologética seja feita com mansidão e temor, ou seja, com espírito não contencioso.

A apologética cristã, diferente de outros debates, não busca dobrar o outro à sua crença, simplesmente pela razão do argumento. O apologeta cristão não pode desconsiderar o coração do outro, até mesmo para manter a sua conduta irrepreensível diante dos homens. O amor precisa ser o motivo e o veículo pelo qual a razão e a fé são apresentadas ao incrédulo. Sem amor, qualquer argumento seria como um sino retinente, insistente, e até irritante, mas nada eficaz.

Jesus Cristo chamou de bem-aventurados os mansos e os pacificadores. Ele mesmo deu o exemplo quando inquirido sobre a lei e o reino de Deus. Mesmo quando os seus arguentes eram mal-intencionados, a sua resposta era branda, honesta e sábia. O Mestre ensinou como fugir das armadilhas daqueles que não fazem perguntas honestas, sem oferecer munição para as suas maledicências. Mais do que isso, demonstrou como o apologeta que discerne as questões do coração pode enxergar além da pergunta falada, e oferecer a resposta para a dúvida que se calou.

Poderia haver algum mal uso desse ânimo gentil? De alguma forma, o amor poderia ser desvirtuado na conduta cristã? Sim, quando o amor é usado como desculpa para a fraqueza. O mundo usa as palavras corretas quando pede que sejamos mais tolerantes. Ocorre que tolerância não é amor. Amar é também exortar, chamar à disciplina e aplicar a justiça. O amor não cala a verdade, mas comunica com gentileza; não para humilhar, mas para edificar.

Não é possível que a cristandade, em nome do amor, permita-se assistir aos perdidos se afundando no lamaçal do pecado. A mansidão não é um estado inerte, que não incomoda, nem atrapalha. Os mansos também exortam, com palavras brandas, calmas e frequentemente mais eficazes do que o brado retumbante e furioso do pregador da praça.

Conclusão

O espírito de poder e amor é também o espírito de moderação, que nos auxilia a discernir as situações para ajustar as medidas de poder e de amor, de ousadia e mansidão, de coragem e gentileza. Nessa tarefa, nos tornamos mais sábios à medida em que nos submetemos ao Senhor. Quando as nossas preferências e estilos pessoais são colocados a serviço do Mestre, ele pode quebrar, moldar, aparar e até mesmo usar o que temos para a sua glória.

O exercício apologético não é mero debate, não busca o simples convencimento ou o silêncio do adversário. A apologética cristã precisa explicar a nossa esperança, e não apenas a nossa certeza. Para que o apologeta diminua, e o Evangelho apareça, a sua fala precisa ser sábia e equilibrada. “O sábio de coração é considerado prudente; quem fala com equilíbrio promove a instrução”. (Provérbios 16:21 NVI)

Manter uma posição equilibrada em uma sociedade que exige posicionamentos polarizados e extremos é o movimento no qual precisamos insistir. Neste momento, oramos a Deus para que nos revista de sabedoria e discernimento, de modo que as nossas palavras estejam bem temperadas, com coragem e gentileza.

Coragem para avançar, gentileza para alcançar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRAME, John M. Apologética para a glória de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

GEISLER, Normal L; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. São Paulo: Vida, 2006.

MACARTHUR, John. O resgate do pensamento bíblico. São Paulo: Hagnos, 2018.

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