O último grito politicamente correto é que não é certo comemorar o Dia das Mães. A problemática levantada nessa última semana teve vários lados. Gente que apoia o Dia das Mães e faz uma homenagem em cada rede social. Mas também teve gente que pregou a abolição desta data comercial que causa sofrimento a todo mundo que não tem mãe. Teve gente no meio do caminho, falando de Dia da Família e Dia de Quem Cuida de Mim. Parece que as coisas estão meio assim, tanto faz, que nem o dia da mãe da gente se respeita mais.
Uma amiga compartilhou uma situação complicada: a escola da mais velha comemora o Dia das Mães, mas a escola da mais nova, não. No domingo, a mais velha tinha um monte de lembrancinhas e presentinhos que fez em sala de aula, e a pequena, constrangida, foi arrumar pela casa alguns presentes para entregar. A solução, para alguns, é a abolição total do Dia das Mães. Ninguém mais faz, pronto.
Será? Parece aquela solução do dono da bola. Se o resultado não está legal, a gente acaba com o jogo. Ninguém mais pode brincar. É assim que crescem os adultos despreparados, incapazes de lidar com as frustrações e que só sabem jogar o jogo com as regras que eles inventaram.
Por falar em jogo, eu sempre odiei a dança das cadeiras. Quando criança eu odiaaaava essa brincadeira. Era muito frustrante, aquela bagunça, a correira, criança caindo em cima da outra, com cadeira e tudo, uma brutalidade. Eu só brincava disso se obrigada, e tratava de ser a primeira a sair do jogo. Na proposição das brincadeiras, eu sempre tentava fazer com que brincassem de outra coisa, mas nem sempre essa ideia era aceita.
Seria diferente se eu tentasse impedir que os outros brincassem. Eu não gostava da brincadeira e fazia questão de não participar, mas privar os outros de algo que, para eles, era divertido, seria egoísmo. Pior que isso, seria não saber lidar com a diferença.
E olha só... não é justamente o pessoal do "Dia da Família" que gosta de exaltar as diferenças? Dá um nó na cabeça, você pode escolher o sabor de família que você quiser, menos o tradicional. Quem não gosta do tradicional não pode se contentar em ficar com o sabor pizza, colocaram na cabeça que quem elogia o sabor tradicional está, obviamente, falando mal de todos os outros sabores de biscoito família.
Não é necessariamente verdade. E ainda se fosse... todo mundo tem o direito de tecer os seus comentários, expor ideias, dizer que não gosta disso ou daquilo... Não é errado dizer que eu gostaria que todo mundo só fizesse o que me agrada. No fundo, é o desejo particular de cada um de nós, o nosso pequeno tirano interior fica todo faceiro. Mas a gente sabe que é só um desejo, e que na realidade a gente não pode, nem deve, obrigar ninguém a ser nada, só por causa dos meus desejos e preferências, sejam elas tradicionais ou diferentonas.
Sempre existiu criança sem mãe e/ou sem pai. Criança criada pelos avós, pelos tios, criança criada pelo Estado. Tirar o Dia das Mães da escola não faz com que ele desapareça da mídia, do shopping, da casa do vizinho... até mesmo na própria casa da criança, pode ser que uma tenha mãe e a outra não. Essa "solução inclusiva" não ensina a incluir de verdade, mas a editar o mundo, removendo tudo o que me deixa desconfortável.
A experiência da vida real não tem um algoritmo personalizado para mostrar só o que se relaciona com a sua vida, e aprender que você não está no centro do mundo é importante também. As outras pessoas também têm uma existência tão importante quanto a sua, e nós podemos lamentar as faltas uns dos outros e nos alegrar com as alegrias uns dos outros. Esse aprendizado só é possível na alteridade, na diferença, no ambiente heterogêneo.
Em vez de evitar o assunto, está aí uma oportunidade ótima para trabalhar a frustração e a saudade, celebrar as mães que se foram e as que virão, homenagear pessoas que exercem a figura materna reforçando e fortalecendo esse vínculo, destacar e apresentar às crianças as diferenças entre as famílias em que o papel de mãe é exercido por outra pessoa.
É assim que o dia das mães para de doer.
Feliz Dia das Mães!