Já faz algum tempo que divórcio não é mais um tabu. Se a nossa geração já conviveu com muitos pais divorciados, as próximas não parecem menos familiarizadas com essa configuração familiar. Os sociólogos falarão sobre a liquidez da vida moderna, sobre a nossa tendência a descartar mais do que apegar-se.
Nesse contexto, o divórcio deixou de ser aquela ferramenta protegida por uma caixa selada com inscrições vermelhas que dizem "Em caso de perigo, quebre o vidro" e passou a ser uma espécie de seguro contra sinistros. Vamos casar e, se não der certo, a gente separa. Nesse momento começa a contagem regressiva para o divórcio.
Algumas coisas que fazem parte da nossa vida moderna não foram feitas para durar - usa, joga fora, compra outro - quanto tempo dura o seu celular? O novo é tão fácil, rápido e atraente que não consideramos consertar algo que estragou - quando foi a última vez que você foi na costureira, no sapateiro, no tintureiro?
Nossos avós tinham um arsenal de ferramentas, instrumentos e máquinas para consertar todo tipo de coisa dentro de casa, mas a nossa geração é quase inútil nessas competências. Somos mais bocós diante de um sistema elétrico do que nossos avós diante de uma tela touchscreen - pelo menos eles estão aprendendo.
Tenho notado no horizonte um "movimento dos reparadores", iniciativas como iFixit e Repair Cafe. Gente que não acha atentatório à dignidade sujar as mãos de graxa, que não tem medo de chave de fenda, que não precisa de ajuda pra fazer barra de calça e que encara o reparo como um estilo de vida. As razões são as melhores possíveis: salvar o planeta, economizar dinheiro, aprender novas habilidades...
Infelizmente não vejo o mesmo movimento de conservação de bens para conservar pessoas. Pelo contrário, cada vez mais inventamos manobras para facilitar o rompimento. A gente só namora que é pra não assumir muita responsabilidade... vai morar junto porque papel só serve pra dar trabalho na hora de desfazer... a gente casa porque, se não der certo, dá pra divorciar até no cartório.
A televisão mostra um casal completando décadas de casamento, e a pergunta que sempre fazem é: qual é o segredo?
Consertar relacionamentos dá muito mais trabalho do que consertar coisas. O investimento financeiro pode ser mínimo, mas o emocional é grande. Exige persistência, exige humildade, exige amor, exige abrir mão do controle, das alternativas. Casar é uma corrida de resistência, mas é em dupla, então a gente se diverte no caminho.
O casamento começa com "até que a morte nos separe", e não com "e se não der certo, divórcio". Não é um grande compromisso porque dura, ele dura porque é um grande compromisso. Eu me comprometi a trabalhar pela felicidade do outro pelo resto dos meus dias, até que a morte nos separe. É um compromisso diário de amar, mesmo quando eu não quero amar. Nessa mutualidade reside a felicidade conjugal.
Ambas as pessoas precisam estar alinhadas na convicção de que se não está dando certo, precisamos fazer dar certo, na certeza de que a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso do relacionamento pertence aos dois, em igual medida. Encerrar um casamento porque não estava dando certo é desistir do outro. Incompatibilidade de gênios é a mentira que a gente conta para não dizer que cansou da convivência ou que não quer mudar para se relacionar melhor com as pessoas.
Aquele que não quer mudar, além de arrogante, é um solitário. Nenhum relacionamento em que você permanece o mesmo vale a pena. Os relacionamentos que merecem ser cultivados são aqueles que ensinam, que transformam, que moldam o nosso caráter e nos tornam pessoas melhores. Por esses vale a pena lutar. O segredo é não desistir.