Argumentos ridículos do Impeachment

O Brasil hoje é polarizado. Em meio a uma crise econômica, política e (por que não?) moral, aqueles que já se decidiram contra ou a favor do impeachment concordam em apenas uma coisa: quem não é por nós, é contra nós. É assim que todos os que manifestam uma dúvida ou crítica a uma posição são rotulados de petralhas, coxinhas, ou pior, isentões. Foi por ojeriza a essa rotulação covarde que eu preferi não me manifestar, mas eu não consigo mais. Já estava até escrevendo textão no Facebook, então percebi que, realmente, era hora de voltar.


Observando coxinhas e petralhas por todo esse tempo (se vão me chamar de isentona, acho justo usar os rótulos coxinhas e petralhas para os exemplos), registrei alguns tipos de defesas e ataques que se repetem. Tentando acreditar que as aulas de Teoria da Argumentação do primeiro ano de faculdade não foram totalmente inúteis, me debrucei a analisar e colecionar alguns argumentos que eu sugiro que você não use e vou explicar o porquê. Claro que, antes de todos os porquês, há um porquê geral em todos esses argumentos, um ótimo motivo para não usar nenhum deles: porque é infantil.

Fulano também fez


O QUE É? A defesa mais usada na face da Terra desde que aprendemos a falar, em que Fulano, na maioria das vezes é seu irmão.
QUANDO FOI USADO? Surpreendentemente, vem sendo usada com bastante frequência por aqueles que defendem que as tais pedaladas fiscais não constituem crime. Por que não é crime? Porque Fulanos também fizeram.
POR QUE NÃO USAR? Porque isso não é argumento de defesa, é tentativa de delação premiada. Vamos voltar ao Jardim de Infância. Lembra de quando você usava esse argumento? A intenção era diminuir o seu castigo e/ou garantir que seu irmão não saísse impune pelo delito cometido por ambos. Como diz a sua mãe (e a minha), você não é todo mundo. E "todo mundo faz" não torna o feito correto, torna todo mundo errado.

Mas ele fez pior


O QUE É? A segunda defesa mais usada, geralmente pelo seu irmão, para tentar ser menos castigado que você. Mas você também falou muito isso, né?
QUANDO FOI USADO? O tempo todo, por todo mundo. Pelos coxinhas, falando que o governo do PT é o mais corrupto de todos os tempos. Pelos petralhas, dizendo que o PSDB roubou mais que o PT e ainda saiu impune.
POR QUE NÃO USAR? Porque Fulano não está sendo julgado, e se está, o julgamento dele não tem nada a ver com o seu. Fulano fez pior não é motivo para que você seja menos castigado, mas sim para que Fulano seja mais castigado. No mesmo raciocínio, uma impunidade no passado não pode justificar impunidades presentes ou futuras. Querer se safar com esse tipo de argumento é canalhice, porque dá subsídio para que os malfeitores não sejam castigados nunca, e remete ao anterior: todo mundo faz torna todo mundo errado. No mais, vamos lembrar que a corrupção não aumenta ou diminui conforme o tamanho do roubo, assim como uma pessoa não se torna mais ou menos mãe conforme o número de filhos que possui.

Mas ele começou


O QUE É? A primeira coisa que dois irmãos falam quando a mãe pega os dois brigando.
QUANDO FOI USADO? No mantra"O PT não inventou a corrupção".
POR QUE NÃO USAR? Primeiro, porque é óbvio. Mas segundo, e mais importante, porque não é essa a questão. A demanda atual não trata de descobrir quem inventou a corrupção, mas sim de perguntar se o PT está sendo corrupto no momento presente. Dizer "mas eu não inventei a corrupção" é fugir do assunto, respondendo a uma pergunta que ninguém perguntou, e não serve como defesa porque você não precisa ter inventado a corrupção para ser corrupto.

Mas e Beltrano, que fez coisa errada?


O QUE É? Aquele momento em que você aponta pra sua mãe um erro aleatório do seu primo.
QUANDO FOI USADO? Várias vezes ao mencionar, por exemplo, as situações precárias de São Paulo e Paraná.
POR QUE NÃO USAR? Porque não tem nada a ver. Porque não é o assunto da conversa. Porque nesse momento, nessa instância, nesse processo não se pode combater todos os corruptos do Brasil. A legitimidade de uma pessoa que se levanta contra a corrupção não depende de que ela aponte e tome providências contra todo e qualquer caso de corrupção que lhe chegar aos ouvidos, até porque isso tornaria a missão impossível para qualquer ser humano. Se você viu alguém fazer algo errado e pode fazer algo a respeito, então faça. Não fique apontando para que algum justiceiro venha desfazer todas as mazelas nacionais. Também não adianta nada ficar apontando os erros dos outros para quem não pode fazer nada a respeito - seja por falta de legitimidade ou porque já está sobrecarregada com outras coisas. O erro do seu primo é problema da sua tia. O fato de sua mãe não poder ou não conseguir cuidar de todas as crianças do parquinho não tira a responsabilidade ou legitimidade dela sobre você.

Você só está falando isso porque Sicrano mandou


O QUE É? A tentativa de invalidar a acusação a partir da sua suposta origem, onde Sicrano geralmente é um amiguinho (ou primo) mentiroso.
QUANDO FOI USADO? Quando senadores questionaram a ligação de Janaina Paschoal com o PSDB porque ela recebeu dinheiro do partido para fazer um parecer sobre a possibilidade de impeachment.
POR QUE NÃO USAR? Porque esse argumento não passa de uma forma de atacar o mensageiro. Se eu não posso contra a mensagem, me volto contra quem a entrega. A questão é que esse fato não interessa, nem produz defesa contra os argumentos apresentados pela acusação. Se esses argumentos estão provados de forma completamente independente da pessoa que pode ou não tê-los originado, então não interessa quem originou. Seria diferente, por exemplo, se tudo dependesse do testemunho de uma pessoa que tem reputação de mentirosa. Aí o ataque à pessoa seria pertinente. Mas quando a pessoa sequer foi citada, de nada adianta trazê-la à discussão. Isso só serve para enrolar, distrair, acaba depondo contra você. Quem tem argumentos para se defender de verdade não precisa disso.

Existem também outros tipos de argumentos: cínicos, ingênuos, desonestos, mas esses já não são tão infantis e ficam para a próxima treta. Seja qual for o seu posicionamento nessa história toda, ou em outras, tente não produzir argumentos ridículos para defender o seu ponto de vista. Muitas vezes uma boa opinião é descartada por causa de um argumento ruim. Então, melhorem.